Uma carta para alguém que já partiu


Uma carta para alguém que já partiu
Escrevo essa carta para alguém que aqui não mais se encontra. O tempo retirou sua presença. Retirou não somente o espaço como a lembrança. Não sei se essas palavras podem chegar nesse espaço infinito que ocupa, mas sei que a amplitude do pensamento deve alcançar.
Escrevo essa carta para alguém que partiu sem se despedir. Para alguém que tentou avisar dos perigos de acreditar na simplicidade dos sentimentos. Tentou impedir o esboço da liberdade. Passou seu tempo ensinando o não querer.
Escrevo essa carta para alguém que partiu triste. Talvez o sorriso não pudesse compartilhar o espaço que agora ocupa. Talvez tenha me ensinado a esquecer. Talvez tenha me ensinado a perder. E sorrir. Talvez.
Escrevo essa carta para alguém que partiu com dúvidas e segredos. No silêncio. Aliás, o silêncio que hoje sei ouvir. O silêncio tão sentido. O silêncio e o vazio de um espaço não definido. Era como se o tempo estivesse desorientado. Somente desencontros.
Escrevo essa carta para alguém que partiu diversas vezes num único momento. E esse momento se repete na não compreensão de sua partida. Alguém que chega ao mundo já se despedindo.
Escrevo essa carta para alguém que partiu confuso. E deixou a clareza de sentir a tristeza profunda da perda. Procurar e ter a certeza de não encontrar. Deixou algo mais sentido que a saudade. Porque temos saudade de quem podemos reencontrar e abraçar. E como reencontrar quem partiu para um tempo contrário?
Escrevo essa carta para alguém que partiu triste. E ensinou a sentir alegria por sermos.
Escrevo e penso no que realmente existe. Penso na fragilidade humana. Na amplitude do tempo. Na discórdia. Na realidade. Fantasia. Vida. Morte.
Escrevo essa carta e não espero resposta. E por que escrevo?
Escrevo essa carta sem entender minhas palavras. E por que escrevo?
Escrevo essa carta para alguém que partiu e não pude dizer o quanto a presença foi oportuna. O quanto a presença, mesmo triste, me fez viva. O quanto a presença, mesmo triste, me fez alegre.
Escrevo essa carta para alguém.
Alguém – sem definição exata – sem tempo e espaço. Chegou e partiu
Vá! E encontre seu tempo. Vá! Encontre seu espaço!
Escrevo essa carta para alguém que partiu. Alguém que não pude me despedir.
Vá! E sorria. Há sempre espaço para a alegria. Há sempre um lugar. Um caminho. Uma explicação.
Escrevo para alguém que partiu antes mesmo de chegar. E espero que nesse intervalo entre chegar e partir – partir e chegar- tenha encontrado a paz.

Fernanda Missurino







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